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Caso Americanas: Maior Fraude Varejista

Fraude Americanas

No início de 2023, o mercado brasileiro sofreu um grande impacto com o anúncio de um rombo contábil de R$ 20 bilhões nas Americanas. A varejista, que possui uma história quase centenária no Brasil, tem como acionistas de referência os três maiores empresários do país e sempre foi vista como exemplo de negócio.

Antes da crise, as ações das Americanas estavam em crescimento e havia uma alta demanda pela empresa. Com os números apresentados na época, analistas avaliaram que seu preço poderia chegar a até R$ 37,00. Após o anúncio, as ações caíram 95%, passando de R$ 12 para R$ 0,80, mas isso estava longe de ser a maior preocupação da empresa. Além do rombo de bilhões, a Americanas enfrentava a desconfiança do mercado e suspeitas de fraude.

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Como resultado, além de ter que entrar com um pedido de recuperação judicial, a companhia teve que passar por uma CPI de investigação.

Passado mais de um ano do ocorrido, podemos finalmente entender o que de fato aconteceu. Foi uma inconsistência contábil ou a maior fraude do mundo empresarial brasileiro? Para entender isso e muito mais, precisamos entender como a empresa chegou até aqui.

Construindo um legado

Em 1929, os americanos John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger saíram dos Estados Unidos em direção a Buenos Aires com a intenção de abrir uma loja “Five and Ten Cents”, famosas no início de 1900 nos EUA, que ofereciam produtos no valor de cinco e dez centavos. 

No navio, os americanos conheceram o brasileiro Aquino Sales e o austríaco Max Landesman, que os convenceram a fazer uma visita ao Rio de Janeiro. Chegando à cidade, os americanos perceberam que havia muitos brasileiros que eram funcionários públicos ou militares com uma renda estável, porém baixa, e decidiram abrir sua loja no Brasil para atingir esse público.

A primeira loja foi inaugurada em Niterói com o slogan “Nada além de 2 mil réis” e, um ano após, já havia crescido para quatro lojas. Em 1940, a empresa abriu seu capital, tornando-se uma sociedade anônima. Em 1982, o Grupo Garantia, formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, entrou na composição acionária da rede como controladores.

Os anos 90 marcaram importantes passos para a rede de lojas, com a formação de uma joint venture com a rede de lojas Walmart em 1994. Em 1999, a varejista se tornou pioneira no Brasil ao lançar seu serviço de compras online com a Americanas.com. Os anos seguintes foram marcados pela expansão e popularização da marca, com a implantação de centenas de lojas físicas e o aumento de sua atuação digital, com a aquisição do Shoptime e do Ingressos.com em 2005 e a fusão com o Submarino em 2006. Ambos os movimentos deram origem à B2W, uma empresa que até 2021 focou no comércio eletrônico.

Em 2021, a B2W e a Lojas Americanas S.A. se tornaram uma só, formando a Americanas S.A. Para isso, os sócios majoritários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, sócios fundadores da AB Inbev, abriram mão do controle da empresa e se tornaram sócios de referência. 2021 foi considerado o melhor ano da empresa. As Americanas S.A. eram a quarta maior empresa varejista do Brasil, e havia especulações de que esse era o início da internacionalização da varejista. Mas não foi bem o que aconteceu.

A inconsistência contábil

Em setembro de 2022, após 30 anos de serviços prestados, Miguel Gutierrez se despediu do cargo de diretor da Americanas S.A, dando lugar ao novo diretor Sérgio Rial, que assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2023. Apenas 11 dias após assumir o cargo, Rial pediu demissão e anunciou um rombo de mais de R$ 20 bilhões, caracterizado como um erro contábil.

Com a saída dos sócios majoritários e do diretor, o rombo se tornou suspeito, e a Americanas foi acusada de fraude. O erro contábil, que aparentemente ocorria há anos, envolvia uma estratégia financeira chamada “Risco Sacado”, bastante utilizada por varejistas para quitar dívidas com fornecedores.

Mas o que acontecia na prática? A Americanas comprava produtos de fornecedores e pagava essa dívida com um empréstimo bancário, quitando posteriormente o banco com juros. Durante anos, o registro dessa dívida foi feito considerando o valor pago aos fornecedores e não o valor real da dívida com o banco, que incluía juros.

Com o acúmulo desses juros não registrados ao longo dos anos, o rombo foi ainda maior do que anunciado inicialmente, chegando a R$ 43 bilhões. Cerca de 16 mil credores foram prejudicados, incluindo bancos, empresas e pessoas físicas. Com a notícia, as ações da empresa caíram 85%, e em poucos dias o valor de mercado caiu R$ 9 bilhões.

Um dia após o anúncio, as ações fecharam em R$ 12, e no dia seguinte a queda foi de 77%, fechando o dia valendo R$ 2,72. Nos dias seguintes, as ações continuaram a cair, até chegar a R$ 1,94, fazendo o valor da empresa, que era de R$ 10,85 bilhões, cair para R$ 1,75 bilhão.

A queda se deu principalmente pela falta de confiança gerada no mercado, mas os maiores prejudicados foram os pequenos investidores. Cerca de 54% das ações estavam pulverizadas no mercado, com cerca de 130 mil CPFs registrados na base de acionistas, muitos dos quais eram acionistas minoritários que viram suas ações caírem 80% da noite para o dia.

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Isso sem contar os prejudicados pelos investimentos atrelados à empresa por meio de fundos. Segundo a Economática, na época, havia 1.057 fundos com investimento na Americanas. Com o rombo, a nota da Americanas nas agências de avaliação de risco caiu, indicando que a loja possuía agora uma má reputação em sua capacidade de pagar seus credores, o que fez suas debêntures, títulos de dívida, desvalorizarem.

O caso mais famoso foi o do Nubank. O fundo de Reserva Imediata do Nubank era considerado de baixíssimo risco e com alta liquidez, indicado para investidores que não queriam correr muitos riscos. No entanto, o fundo detinha 1% de todo o seu patrimônio garantido em duas debêntures da Americanas.

Com a desvalorização desses títulos de dívida, a rentabilidade do fundo do banco caiu, e muitos investidores do Reserva Imediata viram seus investimentos recuarem consideravelmente, perdendo bastante dinheiro. Não foi difícil ver posts nas redes sociais de cotistas reclamando sobre a queda de rendimentos, como uma investidora que relatou a redução de R$ 700,00 para R$ 1,72 em cinco dias. 

Em resposta, o Instituto Brasileiro de Cidadania iniciou uma ação na Justiça contra as Americanas por informações enganosas e atos ilícitos diante de seus investidores, alegando que os investidores precisam ser indenizados por danos morais e materiais, já que todos acreditavam na idoneidade das informações.

O rombo foi comprovado, ficando agora apenas a grande questão: afinal, foi um erro ou uma fraude?

Erro ou fraude?

Quando a notícia do rombo foi divulgada, além da surpresa inicial, o mercado ficou frustrado com a falta de informações fornecidas. A própria Americanas parecia não entender completamente o que estava acontecendo, explicando que os números do rombo poderiam ser maiores, o que seria confirmado com a criação de um comitê independente responsável por uma auditoria mais completa.

Foi a partir do documento apresentado e da falta de respostas claras que surgiu a hipótese de fraude. O Banco BTG, um dos bancos prejudicados, iniciou uma ação judicial contra a Americanas, afirmando que a empresa havia agido de má fé.

Para evidenciar isso, relembrou o fato de que entre julho e outubro de 2022, diretores da companhia venderam R$ 223 milhões em ações da empresa. A suspeita era de que esses diretores tinham conhecimento do rombo e venderam suas ações de forma apressada para evitar prejuízos.

Oito dias após o anúncio do rombo, a Americanas entrou com pedido de recuperação judicial. Em uma nota conjunta lançada em 22 de janeiro, onze dias após o anúncio do rombo, Lemann, Telles e Sicupira negaram ter conhecimento das dívidas, alegando que não tinham acesso à administração da empresa há anos e que ela estava nas mãos de executivos qualificados e de alta reputação.

Eles acrescentaram que jamais aceitariam manobras e fraudes para distorcer os lucros da empresa e que o banco auditor PWC, com quem a Americanas trabalhava, nunca havia apontado nenhuma irregularidade. A PWC é a maior empresa de auditoria do Brasil e possui uma reputação centenária. 

No entanto, desde o esclarecimento das inconsistências contábeis trazidas pela Americanas, a empresa se manteve afastada do assunto, comentando apenas: “Não comentamos casos de clientes”. Em junho, a Americanas rescindiu seu contrato com a PWC e contratou imediatamente a BDO.

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Recuperação Judicial

Para que o pedido de recuperação judicial fosse aceito, a Americanas precisou apresentar números oficiais da dívida e credores. Os números apresentados foram de 7.720 credores e uma dívida de R$ 41,2 bilhões. Desse valor, a Americanas possui R$ 15,2 bilhões de dívidas ocasionadas pela estratégia financeira de risco sacado com os cinco maiores bancos do Brasil.

Os maiores credores são os bancos Bradesco, Itaú e Santander, com dívidas que chegam a R$ 5,2 bilhões, R$ 4,3 bilhões e R$ 3,4 bilhões, respectivamente. Com a aceitação da recuperação judicial da Americanas pelo Ministério Público, os bancos saíram perdendo. A recuperação judicial protege a Americanas, impedindo que as dívidas da companhia sejam executadas, e os bancos credores precisam perdoar parte do valor.

Para que os bancos não saíssem perdendo completamente e não perdessem total confiança na companhia em um caso real de recuperação, um acordo foi firmado em novembro. O acordo previa a injeção de capital de R$ 24 bilhões, sendo R$ 12 bilhões em novas ações pelos acionistas de referência e R$ 12 bilhões pelos bancos credores.

Isso significa que os bancos credores aceitaram reverter R$ 12 bilhões da dívida da Americanas em ações na empresa, ao invés de receberem esse valor em espécie. Este acordo foi aceito por cerca de 35% dos credores titulares da dívida da varejista.

No entanto, no dia 13 de junho, cinco meses após o início do escândalo, a Americanas foi novamente a público e admitiu a fraude feita por antigos executivos.

De acordo com a divulgação feita pela própria Americanas, a fraude se deu principalmente por meio dos contratos de Verba de Propaganda Cooperada, firmados entre a indústria e o varejo. Nesses contratos, a varejista estipula um valor ao fornecedor para que ele possa ter vantagens de propaganda na loja, como prateleiras exclusivas e anúncios nos corredores. 

No entanto, esses contratos eram artificiais, ou seja, lançados no balanço contábil para melhorar os resultados operacionais da Americanas, mas não existiam de fato e não eram acertados com os fornecedores. Esses lançamentos chegaram a R$ 21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022, número que ainda não havia sido auditado e confirmado.

Entre outras irregularidades já estavam as esperadas pela estratégia de Risco Sacado, que contabilizavam R$ 18,4 bilhões. Havia também R$ 2,2 bilhões em operações de financiamento de capital de giro. Além disso, foram identificados lançamentos inadequados de juros sobre operações financeiras, que até o fim de setembro de 2022 somavam R$ 3,6 bilhões.

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Entre os acusados pela própria Americanas pela fraude estão: o ex-presidente Miguel Gutierrez, dois ex-presidentes da Ame Digital, um ex-diretor financeiro da B2W, uma pessoa da controladoria da empresa, entre outros.

Em junho, uma CPI foi iniciada para investigar a fraude contábil. O atual presidente da companhia, Leonardo Coelho Pereira, compareceu à Câmara dos Deputados e apresentou e-mails trocados entre a antiga diretoria que comprovavam a fraude.

A fraude atingiu R$ 20 bilhões. O atual presidente explicou: “Para não haver confusão, R$ 40 bilhões é a dívida que está na recuperação judicial e R$ 20 bilhões é o tamanho da fraude”. A CPI, que foi até setembro, terminou sem culpados. Apesar de indicar o possível envolvimento da antiga diretoria na fraude, o relatório final não citou nomes nem fez acusações diretas, mas deixou evidente que não se tratou apenas de um erro contábil.

E depois de terminar sem culpados formais, quem realmente pagou a conta?

Quem é o maior prejudicado?

“No dia 11 de janeiro, meu mundo acabou. Não consigo nem dormir direito, perdi praticamente tudo. É até vergonhoso de falar…” Essa é a fala de Pedro Henrique, um nome fictício, mas a entrevista é real. Além de pequenos investidores, funcionários, prestadores de serviço e fornecedores estão na lista dos mais afetados.

Do total da dívida, R$ 64,5 milhões são devidos à classe trabalhista, impactando diretamente os funcionários. Um valor ainda mais significativo, R$ 109,4 milhões, afeta diretamente as microempresas e empresas de pequeno porte, que podem ser fornecedores ou prestadores de serviço. Dentre os credores dessa categoria, mais de vinte têm mais de R$ 1 milhão a receber da varejista. Outros 102 credores têm entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão a receber, e 73 credores têm entre R$ 50 mil e R$ 100 mil a receber. Outros fornecedores têm valores menores a receber, variando de R$ 1 mil a R$ 50 mil.

Se tratando de microempresas e empresas de pequeno porte, uma dívida como essa é extremamente prejudicial. Em entrevista ao Estadão, um proprietário de uma indústria de material escolar de porte médio, onde a dívida da Americanas corresponde a um terço do faturamento, descreveu a situação da seguinte forma: “É como se alguém tivesse entrado na minha empresa, tirado 35% do meu caixa e saísse andando pela porta da frente. É mais ou menos desta forma como eu me sinto”.

A situação está longe de ser simples. A crise na Americanas levou algumas dessas empresas de pequeno porte, que estão na lista de credores da varejista, a diminuir a linha de produção e demitir pessoal. Porém, esta é só uma forma de como o caso está afetando a economia brasileira; as consequências são maiores e demorarão a ser amenizadas. Somente a Americanas é responsável por pagar anualmente cerca de R$ 2 bilhões de impostos ao Governo Federal.

Milhões de Demissões

A recuperação judicial ainda acarretará em milhões de demissões dentro da empresa, desde cargos de alto a baixo escalão, mas deve atingir também trabalhadores indiretos. O impacto é ainda maior por conta do grupo de acionistas de referência, que são os empresários mais ricos do Brasil e são cabeças ainda da Ambev, Burger King e Kraft Heinz. Com a crise das Americanas, a reputação dos três empresários foi prejudicada, afetando seus outros empreendimentos. As ações da Ambev caíram 9% após a justiça acatar o pedido de recuperação judicial da Americanas.

O caso vem gerando insegurança nos institutos financeiros, que se preocupam em passar pela mesma situação com outras empresas do setor, principalmente na questão de endividamento. Isso prejudica as outras companhias do setor, que estão vendo um custo de dívida maior, em um momento em que o setor varejista brasileiro passa por uma situação de cautela, causada pelo cenário da própria Americanas e também de outras companhias, como a Marisa.

Para o juiz Paulo Assed Estefan, que acatou o pedido de recuperação judicial das Americanas, a queda da rede poderia resultar em colapso da cadeia de produção do país e afetar 50 milhões de consumidores, colocando em risco dezenas de milhares de empresas, o que acarretaria prejuízos relevantes nos setores econômicos do Brasil.

Em novembro de 2023, a Americanas divulgou seu plano de negócios até 2025. Sob uma nova diretoria e com os valores fraudados ajustados ao balanço da empresa, o novo plano prevê o abatimento da dívida e retomada de lucros até 2025, com o que chamam de “Nova Americanas”. A empresa espera atingir em 2025 R$ 1,5 bilhão em geração de caixa no ano.

O foco estará no protagonismo “figital”, que prevê a renovação das lojas físicas, otimização de custos e a excelência da jornada do consumidor. Entre as maiores apostas está o Ame Digital, com seus serviços financeiros customizados, principalmente na plataforma digital. A carteira Ame servirá para aumentar o engajamento dos clientes.

Mas isso são planos. Para que possam se realizar, a Americanas tem um grande trabalho pela frente. Ela precisa recuperar sua reputação, não só com os consumidores, mas também com todo o mercado.

E aí, o que você achou da história do grande caso das Americanas? Comenta aqui abaixo que eu quero saber.

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